CV usa favelas do Alemão e Penha para esconder traficantes de fora do Rio e criar ‘escola’ do crime
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CV usa favelas do Alemão e Penha para esconder traficantes de fora do Rio e criar ‘escola’ do crime

Em um cenário de violência urbana que assombra o Brasil, as favelas do Complexo do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, revelam-se não...

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CV usa favelas do Alemão e Penha para esconder traficantes de fora do Rio e criar ‘escola’ do crime

Em um cenário de violência urbana que assombra o Brasil, as favelas do Complexo do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, revelam-se não apenas como territórios disputados, mas como bastiões estratégicos do crime organizado. Uma megaoperação policial deflagrada em 28 de maio de 2024, que resultou em 121 mortes – incluindo quatro policiais –, trouxe à tona investigações alarmantes sobre o Comando Vermelho (CV). A facção, uma das mais poderosas do país, utilizava esses complexos como refúgios para traficantes foragidos de outros estados e como centros de treinamento para recrutar e capacitar novos membros. Essa rede de ocultação e instrução não só fortalece o CV localmente, mas também impulsiona sua expansão nacional, desafiando autoridades e ameaçando a segurança pública em escala inédita.

As interceptações de mensagens e vídeos pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) pintam um quadro sombrio: jovens recrutados são doutrinados em "escolas de tiro" improvisadas, aprendendo a manusear fuzis de guerra sob a tutela de veteranos. Essa estrutura operacional, revelada em detalhes pela operação, expõe as entranhas de uma organização que transforma a pobreza e a marginalização em combustível para o crime. Com o CV avançando sobre rivais como as milícias e se consolidando na Amazônia, o episódio no Rio destaca a urgência de ações integradas para combater o narcotráfico e o crime organizado.

Vista aérea das favelas da Zona Norte do Rio de Janeiro, mostrando a complexidade urbana dos complexos do Alemão e Penha

A Megaoperação Policial e Suas Revelações

A operação de 28 de maio de 2024 marcou um dos capítulos mais sangrentos na guerra contra o crime no Rio de Janeiro. Iniciada com base em investigações da Polícia Civil, a ofensiva visava desmantelar células do CV nos complexos da Penha e do Alemão. O saldo foi devastador: 121 corpos foram encontrados, dos quais 117 eram suspeitos e quatro, policiais. Segundo o delegado Felipe Curi, secretário de Polícia Civil do Rio, pelo menos 40 dos mortos eram traficantes vindos de outros estados, utilizando as favelas como esconderijos temporários. Até o momento, 99 corpos foram identificados, e 42 deles possuíam mandados de prisão em aberto, conforme dados divulgados pelo governo estadual.

As provas coletadas, incluindo trocas de mensagens em aplicativos criptografados e vídeos de treinamento, foram cruciais para embasar a ação. Elas revelaram não só a presença de foragidos, mas também planos de ataques a carro-forte e caixas eletrônicos. Em uma interceptação, criminosos discutiam estratégias para explodir terminais bancários na região metropolitana, demonstrando a sofisticação tática do grupo. Essa inteligência policial, acumulada ao longo de meses pela DRE, permitiu uma abordagem coordenada, envolvendo helicópteros, blindados e centenas de agentes.

Os complexos da Penha e do Alemão, com sua topografia acidentada e labirinto de vielas, oferecem proteção natural aos traficantes. Historicamente dominados pelo CV desde os anos 1980, esses territórios servem como "fronteiras seguras" para membros perseguidos em seus estados de origem. Investigadores apontam que o fluxo de foragidos aumentou nos últimos anos, coincidindo com a intensificação de operações federais em regiões como o Norte e o Nordeste.

Perfil dos Mortos e Impacto Imediato

  • Origem interestadual: Dos 40 identificados como forasteiros, a maioria vinha do Amazonas, Pará e Maranhão, estados onde o CV disputa rotas de tráfico com o PCC (Primeiro Comando da Capital).
  • Recrutamento local: Pelo menos 20 jovens cariocas, muitos adolescentes, foram encontrados entre as vítimas, sugerindo que o refúgio também funcionava como ponto de iniciação.
  • Armamento pesado: Fuzis AR-15, AK-47 e granadas foram apreendidos, reforçando a militarização das favelas.

O impacto da operação vai além das estatísticas. Moradores relatam alívio misturado a medo de retaliações, enquanto especialistas em segurança pública alertam para o vácuo de poder que pode atrair rivais. O governo do Rio, por meio do governador Cláudio Castro, defendeu a ação como necessária para restaurar a ordem, mas ONGs de direitos humanos criticam o alto número de mortes, questionando a proporcionalidade do uso da força.

Operação policial em área urbana densa, ilustrando o confronto em favelas como as do Rio de Janeiro

A 'Escola do Crime': Treinamento e Recrutamento no CV

No coração do Complexo da Penha, na região da Pedreira, operava o que as investigações chamam de "escola de tiro" do CV. Esse centro clandestino, descrito em vídeos interceptados, era um espaço onde novatos – frequentemente jovens de 14 a 20 anos recrutados nas próprias comunidades – recebiam treinamento prático em manuseio de armas. Instrutores experientes, muitos com histórico em prisões de alta segurança, transmitiam não só técnicas de tiro, mas também ideologia da facção: lealdade absoluta, hierarquia rígida e desprezo pela autoridade.

As mensagens trocadas revelam um sistema organizado. Recrutadores identificam potenciais membros em escolas, igrejas ou pontos de tráfico, oferecendo dinheiro rápido ou proteção em troca de adesão. Uma vez selecionados, os iniciantes passam por "aulas" noturnas, simulando confrontos reais. "Aqui a gente aprende a sobreviver", diz um áudio atribuído a um instrutor, ecoando a narrativa de empoderamento que o CV usa para atrair marginalizados.

Essa estrutura não é isolada. Relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) indicam que o CV opera "academias" semelhantes em favelas de São Paulo e Manaus, adaptando-se a contextos locais. No Rio, a proximidade com portos facilita o contrabando de armas da Bolívia e Paraguai, suprindo esses treinamentos. Especialistas como o sociólogo Ignacio Cano, da UERJ, argumentam que essa profissionalização do crime transforma bandidos em "soldados" eficientes, prolongando ciclos de violência.

Conversas Interceptadas e Planos Frustrados

Entre as evidências, destacam-se conversas que delineavam ataques ousados. Em um vídeo vazado, traficantes planejam explodir um caixa eletrônico em uma agência bancária na Avenida Brasil, usando dinamite caseira. Outro plano mirava um carro-forte em trânsito pela Rodovia Presidente Dutra. Felizmente, as interceptações frustraram essas ações, mas elas ilustram a ambição do CV em diversificar receitas além do tráfico de drogas.

O recrutamento via redes sociais também foi exposto. Perfis falsos no Instagram e WhatsApp prometem "vida de rei" em troca de serviços, atraindo vulneráveis. Essa tática digital, combinada com o treinamento físico, cria uma força coesa, capaz de resistir a incursões policiais como a de maio.

Jovens em ambiente urbano periférico, representando o recrutamento de novos membros para facções criminosas

Expansão do Comando Vermelho: Da Zona Norte ao Brasil Inteiro

O CV não se limita ao Rio. Nos últimos anos, a facção expandiu sua influência, conquistando territórios de milícias locais e rivalizando com o PCC em rotas nacionais. Na Amazônia, o grupo domina o importação de cocaína do Peru e Colômbia, controlando rios como o Solimões para escoamento. Além do narcotráfico, o CV se envolve em garimpo ilegal de ouro em estados como Pará e Rondônia, lavando lucros através de empresas fantasmas.

Um relatório recente da Abin mapeia a presença do CV em quase todos os estados brasileiros, de Roraima ao Rio Grande do Sul. Essa hegemonia se deve a alianças táticas e à morte de líderes milicianos, como o recente assassinato de um chefe na Baixada Fluminense, que abriu espaço para o avanço vermelho. No Norte, o CV explora a porosidade das fronteiras, importando não só drogas, mas também armas e mão de obra para minas clandestinas.

No Rio, a estratégia de usar favelas como "escolas" e refúgios atrai foragidos de operações como a "Custo Brasil", deflagrada em 2023 contra o PCC na fronteira. Nomes como "Marcola" (líder do PCC) inspiram narrativas de resistência, mas o CV se posiciona como alternativa "nacionalista", focada em comunidades pobres.

Rivalidades e Consequências Nacionais

  • Contra milícias: Perda de territórios no Rio Oeste, com o CV ganhando favelas como a Rocinha.
  • Disputa com PCC: Guerras em presídios e ruas de São Paulo e fronteiras amazônicas.
  • Impacto econômico: Bilhões em prejuízos anuais com roubo de cargas e extorsões.

Analistas preveem que, sem investimentos em inteligência e programas sociais, a expansão continuará. A operação de maio é um alerta: o crime organizado evolui, e respostas fragmentadas não bastam.

Conclusão: Desafios para o Futuro da Segurança Pública

A megaoperação no Alemão e Penha expõe as veias abertas do crime no Brasil. O CV, ao transformar favelas em fortalezas de treinamento e refúgio, não só perpetua a violência local, mas ameaça a estabilidade nacional. Com 18 corpos ainda não identificados e planos de ataques frustrados, as autoridades celebram uma vitória tática, mas o quadro estratégico permanece preocupante. Investir em educação, emprego e policiamento comunitário é essencial para desmantelar essas redes. Enquanto isso, o silêncio das vielas ecoa uma pergunta urgente: quanto tempo mais essas "escolas do crime" moldarão o destino de gerações?

Este artigo baseia-se em investigações jornalísticas e relatórios oficiais, destacando a necessidade de uma abordagem holística contra o crime organizado. A luta pelo Rio – e pelo Brasil – exige união além das fronteiras das favelas.

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