
Senado aprova PEC do Marco Temporal em resposta ao STF: implicações para os direitos indígenas
Em um movimento que reacende o debate sobre os direitos originários dos povos indígenas no Brasil, o Senado Federal aprovou, nesta terça-feira, 9 de m...
Em um movimento que reacende o debate sobre os direitos originários dos povos indígenas no Brasil, o Senado Federal aprovou, nesta terça-feira, 9 de maio de 2024, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023. A medida incorpora à Constituição Federal a tese do marco temporal, limitando os direitos indígenas às terras ocupadas por essas comunidades na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Essa aprovação ocorre às vésperas de uma sessão decisiva do Supremo Tribunal Federal (STF), marcada para esta quarta-feira, 10, onde a Corte julgará ações relacionadas ao tema, incluindo o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
A decisão do Senado representa uma reação direta às discussões no Judiciário, que tem se posicionado contra a rigidez do marco temporal. Com essa PEC, o Legislativo busca influenciar o entendimento constitucional, alterando o artigo 231, que atualmente garante aos indígenas direitos originários sobre terras tradicionalmente ocupadas, sem uma data limite específica. O texto agora segue para análise na Câmara dos Deputados, onde precisará de aprovação em dois turnos para ser promulgado.

Detalhes da votação e modificações no texto
A votação no Senado foi marcada por ampla maioria. No primeiro turno, a PEC recebeu 52 votos favoráveis contra 14 contrários e uma abstenção. No segundo turno, necessário para emendas constitucionais, o placar foi de 52 a 15, com uma abstenção. Esses números refletem o apoio de partidos como PL, União Brasil, PP, Republicanos, Podemos, PSDB e Novo, que orientaram suas bancadas pelo "sim". Em contrapartida, o PT e o governo Lula pediram voto contrário, enquanto PSD, MDB e PSB liberaram suas lideranças.
O texto original, de autoria do senador Hiran Gonçalves (PP-RR), propunha a inclusão direta do marco temporal na Constituição. No entanto, o relator, senador Esperidião Amin (PP-SC), apresentou um substitutivo com alterações significativas. Entre elas, destaca-se a proibição de ampliação de terras indígenas além dos limites já demarcados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Além disso, foram incluídas garantias a particulares que comprovem posse de boa-fé, como posse com documentos válidos (escrituras, atos judiciais ou contratos de compra e venda).
Outro ponto crucial é a indenização obrigatória em casos de desapropriação. Se a União precisar retomar essas áreas para destiná-las a comunidades indígenas, os proprietários terão direito a compensação pelo solo nu e por benfeitorias realizadas, desde que não haja comprovação de ocupação indígena tradicional em 1988 ou de expulsão violenta e contínua das comunidades. Essas mudanças visam equilibrar os interesses, mas geram críticas por potencialmente enfraquecerem os direitos ancestrais dos povos originários.
Contexto histórico e legal da tese do marco temporal
O artigo 231 da Constituição de 1988 define terras tradicionalmente ocupadas como aquelas habitadas de forma permanente pelos indígenas, utilizadas para atividades produtivas, imprescindíveis à preservação ambiental e à reprodução cultural, independentemente de sua localização ou delimitação administrativa. No entanto, a ausência de uma data de corte tem sido interpretada de maneiras divergentes, culminando em disputas judiciais prolongadas.
A tese do marco temporal surgiu em julgamentos como o da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, quando o STF estabeleceu que os direitos indígenas não se renovam indefinidamente, mas dependem de ocupação contínua. Defensores da PEC argumentam que ela traz segurança jurídica para o agronegócio e proprietários rurais, evitando retrocessos em demarcações. Críticos, incluindo entidades como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), alertam para o risco de legitimação de invasões e violações históricas, especialmente considerando o genocídio e deslocamentos forçados durante a ditadura militar e a colonização.
- Impactos potenciais: Redução de novas demarcações, beneficiando setores econômicos em áreas como o Arco do Desmatamento.
- Conflitos em curso: Afeta terras como Yanomami e Guarani, onde disputas envolvem garimpo ilegal e expansão agrícola.
- Posição do STF: A ministra Cármen Lúcia, relatora de ações sobre o tema, tem defendido a ocupação tradicional sem data fixa, o que pode colidir com a PEC.

Reações políticas e perspectivas futuras
A aprovação da PEC no Senado expõe divisões profundas no Congresso. O governo federal, por meio do Ministério da Justiça, manifestou preocupação com o retrocesso aos direitos constitucionais, enquanto lideranças indígenas planejam mobilizações em Brasília. Partidos de centro-direita veem na medida uma forma de modernizar a legislação fundiária, alinhando-a às demandas do agronegócio, que representa uma fatia significativa da economia brasileira.
Especialistas em direito constitucional apontam que, mesmo aprovada, a PEC pode enfrentar questionamentos no STF por violar o princípio da não retroatividade em direitos fundamentais. Além disso, convenções internacionais, como a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil, reforçam a proteção a terras indígenas sem imposição de marcos temporais.

Em conclusão, a aprovação da PEC 48/2023 no Senado marca um capítulo controverso na luta pelos direitos indígenas, equilibrando interesses econômicos e culturais em um país marcado por desigualdades históricas. Enquanto o texto avança para a Câmara, o julgamento no STF nesta semana pode definir o rumo desse embate, influenciando não apenas demarcações, mas o futuro da convivência multicultural no Brasil. A sociedade civil e os movimentos indígenas seguem vigilantes, defendendo que a Constituição de 1988 não pode ser alterada para apagar trajetórias de resistência.





