Entrevista: Como a Tecnologia e o Comércio Marítimo Fortaleceram o PCC e o Comando Vermelho – "A Globalização Criou Condições Ideais"
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Entrevista: Como a Tecnologia e o Comércio Marítimo Fortaleceram o PCC e o Comando Vermelho – "A Globalização Criou Condições Ideais"

Em um mundo cada vez mais interconectado, o crime organizado transcende fronteiras com a mesma facilidade com que o comércio legal se expande. Facções...

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Em um mundo cada vez mais interconectado, o crime organizado transcende fronteiras com a mesma facilidade com que o comércio legal se expande. Facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), originárias do Brasil, emergiram como atores poderosos no tráfico global de drogas, aproveitando-se da globalização, avanços tecnológicos e rotas marítimas eficientes. Nesta entrevista exclusiva ao Estadão, a pesquisadora Annette Idler, doutora em Desenvolvimento Internacional e diretora do Programa de Segurança Global da Universidade de Oxford, desvenda como esses fatores impulsionaram o crescimento dessas organizações. Autora de obras sobre o narcotráfico na América Latina, Idler enfatiza que o combate a esses grupos exige não só repressão, mas uma abordagem integrada e internacional.

Annette Idler durante entrevista por videoconferência

A Globalização como Catalisador do Crime Transnacional

A globalização não beneficiou apenas economias legítimas; ela criou um terreno fértil para a expansão de redes criminosas, segundo Annette Idler. O boom do comércio marítimo em contêineres, que facilitou o fluxo de mercadorias ao redor do mundo, permitiu que facções como o PCC e o CV ocultassem drogas em cargas legais, tornando o rastreamento extremamente desafiador. "O aumento exponencial do volume de contêineres transportados globalmente – de milhões para bilhões anualmente – diluiu a capacidade de inspeção alfandegária", explica a pesquisadora.

Além disso, os avanços tecnológicos digitais revolucionaram as operações dessas organizações. Plataformas de comunicação criptografada, como aplicativos de mensagens seguras, e o uso de criptomoedas para transações financeiras invisíveis aos sistemas bancários tradicionais, tornaram as facções mais resilientes. Idler destaca que o Brasil, com suas extensas costas e posição estratégica na América do Sul, tornou-se um hub pivotal no tráfico global. "Países como o Brasil não são apenas produtores ou consumidores de drogas; eles são nós centrais em uma rede transnacional que conecta a América Latina à Europa e à Ásia", afirma ela.

Desafios no Enfrentamento às Facções Criminosas

O combate ao PCC e ao CV se complicou nos últimos anos com a adoção de tecnologias evasivas. Mensagens criptografadas impedem a interceptação por agências de inteligência, enquanto criptomoedas como Bitcoin facilitam lavagem de dinheiro sem deixar rastros. Idler alerta que ações isoladas, limitadas a um município, estado ou mesmo nação, são ineficazes. "Se um país reduz o volume do negócio ilícito, ele simplesmente se desloca para outro, explorando diferenças regulatórias", observa.

A pesquisadora é categórica ao declarar que a "guerra às drogas fracassou". Essa abordagem, focada em repressão militar, ignora raízes socioeconômicas como pobreza, desigualdade e falta de oportunidades. Em vez disso, Idler defende uma estratégia multifacetada: unir políticas de segurança e anticorrupção com investimentos em saúde pública, educação e geração de empregos. "Sem abordar as causas estruturais, qualquer vitória tática é temporária", enfatiza.

Gráfico ilustrando rotas de tráfico marítimo global

Críticas à Classificação como Terroristas e a Necessidade de Cooperação Internacional

Propostas recentes de classificar o PCC e o CV como "grupos terroristas", defendidas por políticos de direita, recebem ressalvas de Idler. "Isso simplifica em excesso realidades complexas, onde o crime organizado é motivado por lucro, não ideologia", argumenta. Tal rotulagem poderia levar a uma militarização excessiva das respostas governamentais, enfraquecendo soluções de longo prazo baseadas em governança, justiça e inclusão social.

Para a especialista, a chave está na cooperação internacional. Agências como a Interpol e acordos bilaterais entre Brasil, Europa e Ásia são essenciais para monitorar rotas marítimas e disruptir redes financeiras. Idler cita exemplos bem-sucedidos, como parcerias na Europa para combater o tráfico de cocaína africana, adaptáveis ao contexto latino-americano.

  • Cooperação alfandegária: Compartilhamento de dados em tempo real sobre contêineres suspeitos.
  • Regulação tecnológica: Acordos globais para rastrear criptomoedas usadas no crime.
  • Desenvolvimento local: Programas de inclusão em favelas para prevenir o recrutamento por facções.
Mapa de redes transnacionais de crime organizado

Conclusão: Rumo a uma Abordagem Integrada e Global

A expansão do PCC e do Comando Vermelho ilustra como a globalização, ao conectar o mundo, também interliga o crime. Annette Idler nos lembra que soluções unilaterais são insuficientes; apenas uma cooperação internacional robusta, aliada a políticas de inclusão social, pode desmantelar essas redes. O Brasil, como epicentro dessa dinâmica, tem um papel crucial em liderar essa transformação. A entrevista, concedida por videoconferência em inglês e traduzida pelo Estadão, reforça a urgência de repensar estratégias contra o crime organizado para um futuro mais seguro e equitativo.

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