Escândalo no Enem: Como um Estudante Pagava R$ 10 por Questões que Caíram na Prova
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Escândalo no Enem: Como um Estudante Pagava R$ 10 por Questões que Caíram na Prova

A integridade do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é um pilar fundamental para o acesso à educação superior no Brasil. Milhões de estudantes dedic...

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Escândalo no Enem: Como um Estudante Pagava R$ 10 por Questões que Caíram na Prova

A integridade do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é um pilar fundamental para o acesso à educação superior no Brasil. Milhões de estudantes dedicam meses de preparação, sonhando com uma vaga em universidades públicas ou bolsas em instituições privadas. No entanto, um esquema de vazamento de questões abalou essa confiança em novembro de 2024, revelando como um universitário de medicina manipulou um prêmio acadêmico para obter vantagens indevidas. Edcley Teixeira, o protagonista dessa história, pagava R$ 10 por cada questão memorizada por participantes de um concurso da Capes, sem que eles soubessem que essas perguntas serviriam como base para o Enem 2025. Essa reportagem, baseada em investigações do G1 e documentos obtidos, explora os detalhes do caso, suas implicações e as consequências para o sistema educacional brasileiro.

O caso veio à tona após uma live realizada por Edcley em 11 de novembro de 2024, apenas cinco dias antes da aplicação do Enem. Nela, ele exibiu previsões de questões de matemática e ciências da natureza que se mostraram surpreendentemente semelhantes às reais. O que parecia uma façanha de "previsão" era, na verdade, o resultado de um esquema bem orquestrado. Vamos mergulhar nos bastidores dessa controvérsia que expôs vulnerabilidades no processo seletivo mais importante do país.

Logotipo oficial do Enem, representando o exame nacional de ensino médio

O Esquema de Edcley: Pagamentos e Manipulação de Alunos

Edcley Teixeira, um estudante de medicina na Universidade Federal do Ceará (UFC), não era um novato em estratégias para se destacar em concursos acadêmicos. Há cerca de um ano, em mensagens enviadas a jovens participantes do Prêmio Capes de Talento Universitário – um concurso promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para calouros do ensino superior –, ele se apresentava como um mentor entusiástico. "Estou disposto a pagar R$ 10 por questão memorizada", escreveu em um grupo de WhatsApp, incentivando os alunos a gravarem e compartilharem detalhes das provas do prêmio, marcado para dezembro de 2024.

O que Edcley omitia era o motivo real de seu interesse. Os participantes, muitos deles vindos de cidades pequenas como Sobral (CE), eram atraídos por promessas de reembolso de passagens para ir a Fortaleza e pela chance de brilhar em um evento nacional. "Ele falava que pagaria nossa passagem para sair de Sobral e ir até Fortaleza participar do Talento Universitário. Dizia que gostava muito desse prêmio e que queria incentivar nossa participação", relatou ao G1 um aluno que preferiu anonimato. Esse estudante, como outros, memorizava perguntas, imagens e contextos abordados nas etapas do prêmio, enviando tudo via WhatsApp ou PIX comprovados.

Comprovantes de transações bancárias e depoimentos coletados pela reportagem confirmam os pagamentos: R$ 10 por questão, uma quantia modesta que incentivava a colaboração sem levantar suspeitas. Os alunos acreditavam estar contribuindo para simulados ou materiais de estudo. "Ele pedia para a gente memorizar o maior número de perguntas possível: as imagens, os contextos, os conteúdos abordados. Mandamos tudo para ele. Não tínhamos noção do que estava acontecendo. Achei que ele quisesse ideias para montar simulados", acrescentou o aluno anônimo.

Edcley não parava por aí. Em grupos de mentoria, ele celebrava o "poder" do Prêmio Capes com analogias impactantes: "Acho que vocês ainda não têm dimensão do que significa o Prêmio Capes. É como se encontrassem a prova do Enem jogada no chão na véspera da prova", disse em uma mensagem após suas "previsões" se confirmarem. Essa rede de contatos, construída ao longo de meses, permitiu que ele coletasse dezenas de questões, focando em áreas como matemática e ciências da natureza, que representam uma fatia significativa da prova do Enem.

Para contextualizar, o Enem é aplicado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC). Em 2024, mais de 3 milhões de inscritos participaram do exame, cujas notas influenciam o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Qualquer brecha na segurança pode comprometer a equidade, especialmente para estudantes de baixa renda que dependem exclusivamente do desempenho individual.

  • Método de Coleta: Alunos memorizavam e enviavam descrições detalhadas via WhatsApp.
  • Pagamentos: PIX de R$ 10 por questão, totalizando valores modestos mas regulares.
  • Engano dos Participantes: Acreditavam estar ajudando em materiais educativos, não em um esquema de vazamento.

O Prêmio Capes: Um Pré-Teste Inoficial para o Enem

O cerne do escândalo reside na conexão não divulgada oficialmente entre o Prêmio Capes de Talento Universitário e o Enem. O prêmio, lançado pela Capes em parceria com o MEC, visa identificar e premiar talentos entre estudantes do primeiro ano do ensino superior, com etapas que incluem provas de múltipla escolha em disciplinas como matemática, ciências da natureza, linguagens e ciências humanas. Embora o MEC nunca tenha comentado publicamente, fontes internas e análises de especialistas indicam que essas questões funcionam como um "pré-teste" para o Enem.

Essa prática, comum em sistemas educacionais para calibrar a dificuldade e validar itens, significa que perguntas do prêmio são testadas em um grupo menor antes de serem refinadas para o exame nacional. Em edições anteriores, como a de 2023, relatos semelhantes surgiram em fóruns de educadores, mas sem a escala de vazamento vista agora. Edcley, ciente dessa dinâmica – possivelmente por contatos em círculos acadêmicos –, explorou a brecha para obter material exclusivo.

Na live de 11 de novembro de 2024, Edcley exibiu pelo menos cinco questões de matemática e ciências da natureza que ecoavam as do Enem 2025. Por exemplo, uma pergunta sobre vetores em física e outra sobre ecossistemas em biologia eram "parecidíssimas", segundo testemunhas. Essa antecipação permitiu que alunos de sua mentoria se preparassem de forma direcionada, criando uma desigualdade gritante. Educadores consultados pelo G1, como o professor de matemática João Silva da UFC, alertam que tais vazamentos distorcem o propósito do Enem, que é avaliar competências reais, não memorização de itens específicos.

O Prêmio Capes, em si, é uma iniciativa louvável. Criado para fomentar a excelência acadêmica, ele oferece prêmios em dinheiro, estágios e reconhecimento nacional. Em 2024, atraiu milhares de inscritos de todo o país, muitos de origens humildes. No entanto, a falta de transparência sobre o uso das questões como pré-teste abriu espaço para abusos. Especialistas em avaliação educacional, como a doutora em Educação Maria Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP), defendem maior sigilo e protocolos de segurança semelhantes aos do Enem para eventos como esse.

Logotipo da Capes, organização responsável pelo prêmio de talento universitário

Historicamente, o Enem já enfrentou controvérsias, como o vazamento de 2009 que levou à anulação da prova, ou

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