
Escândalo no Fundo de Pensão do Amapá: Investimento de R$ 100 Milhões em Banco Falido Ignora Alertas e Expõe Aposentados a Perdas Milionárias
Em um caso que expõe as fragilidades do sistema de previdência pública no Brasil, o fundo de pensão dos servidores do Amapá, a Amapá Previdência (Ampr...
Em um caso que expõe as fragilidades do sistema de previdência pública no Brasil, o fundo de pensão dos servidores do Amapá, a Amapá Previdência (Amprev), destinou R$ 100 milhões em investimentos de aposentados e funcionários públicos a títulos de um banco sob suspeita de irregularidades. O Banco Master, que teve sua liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central nesta terça-feira, 18 de outubro de 2023, não oferece a proteção do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), deixando os beneficiários em situação vulnerável. O responsável pela decisão, Jocildo Lemos, presidente do fundo e indicado pelo senador Davi Alcolumbre, ignorou alertas de órgãos fiscalizadores como o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público Federal (MPF). Essa polêmica revela não apenas riscos financeiros, mas também influências políticas em decisões que afetam diretamente a vida de milhares de amapaenses.
O episódio ganha contornos ainda mais graves ao se considerar o contexto de instabilidade no setor bancário brasileiro, marcado por intervenções recentes do Banco Central em instituições financeiras problemáticas. Com a falência do Master, os recursos aplicados em letras financeiras – um tipo de título de renda fixa sem garantia – podem se evaporar, gerando prejuízos irreversíveis para quem depende da previdência para a aposentadoria. Essa história não é isolada; ela ecoa escândalos passados, como os envolvendo fundos de pensão em grandes estatais, e levanta questões sobre governança e accountability em entidades públicas.
O Investimento em Letras Financeiras do Banco Master: Uma Decisão Sem Precedentes
Em julho de 2022, a Amprev realizou quatro aportes consecutivos em letras financeiras emitidas pelo Banco Master, totalizando R$ 100 milhões. Esses títulos, ao contrário de opções mais seguras como Certificados de Depósito Bancário (CDBs), não contam com a cobertura do FGC, que protege investidores até R$ 250 mil por CPF em caso de falência da instituição. A escolha por esses papéis de alto rendimento, mas de risco elevado, foi tomada sob objeções de parte dos conselheiros do fundo, que alertaram para a ausência de garantias e o histórico questionável do banco.
O Banco Master, fundado em 1999 e sediado em São Paulo, operava principalmente no mercado de crédito consignado e títulos de dívida. No entanto, desde 2021, acumulava denúncias de fraudes, lavagem de dinheiro e irregularidades em suas operações. Investigações do TCU e do MPF apontavam para a emissão de papéis sem lastro adequado, o que configuraria um esquema de pirâmide financeira disfarçado. Apesar disso, Jocildo Lemos, à frente da Amprev desde 2019, prosseguiu com os investimentos, argumentando que eles se enquadravam na política de diversificação de ativos do fundo.
Para contextualizar o impacto, vale lembrar que a Amprev gerencia recursos de cerca de 20 mil servidores ativos e aposentados no Amapá, um estado com orçamento apertado e desafios econômicos crônicos, como dependência de repasses federais. Esses R$ 100 milhões representam uma fatia significativa do patrimônio do fundo, estimado em torno de R$ 1,5 bilhão. A liquidação do Master, anunciada pelo Banco Central, implica na interrupção de todas as operações e na tentativa de recuperação de ativos, mas analistas do mercado financeiro preveem que os credores não garantidos, como a Amprev, terão recuperação parcial ou nula dos valores.
Detalhes dos Aportes e o Processo Decisório
- Primeiro aporte: R$ 25 milhões em 5 de julho de 2022, com prazo de vencimento de 180 dias.
- Segundo aporte: R$ 30 milhões em 12 de julho, ampliando a exposição ao risco.
- Terceiro e quarto aportes: Totalizando R$ 45 milhões nas semanas seguintes, sob protestos internos.
Documentos internos da Amprev, obtidos por veículos de imprensa, revelam que as decisões foram aprovadas em reuniões do conselho deliberativo, mas com votos apertados. Críticos internos apontam para a influência direta de Lemos, que concentrou poderes na gestão de investimentos de renda fixa.
Alertas Ignorados: A Influência Política nas Decisões da Amprev
A nomeação de Jocildo Lemos para a presidência da Amprev é um dos pontos centrais da controvérsia. Indicado pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente do Senado Federal, Lemos é descrito como um apadrinhado político. Alcolumbre, que tem forte base eleitoral no Amapá, já reconheceu publicamente a indicação em eventos oficiais. Em maio de 2022, durante a entrega de um prêmio pela gestão do fundo, Lemos dedicou o reconhecimento ao senador, afirmando: "Agradeço ao governador Clécio Luis pela nomeação, mas sobretudo ao senador Davi Alcolumbre, que me convidou para ser o presidente da Amapá Previdência."
Além disso, Lemos acumula o cargo com a presidência da Liga Independente das Escolas de Samba do Amapá (Liesap), o que levanta questionamentos sobre dedicação exclusiva e potenciais conflitos de interesse. O envolvimento familiar de Alcolumbre se estende ao fundo: seu irmão, o advogado Alberto Alcolumbre, ocupa um cargo de confiança na Amprev, responsável por assessoria jurídica. Essa rede de conexões políticas sugere uma interferência que pode ter priorizado interesses pessoais sobre a segurança dos investimentos.
Os alertas ignorados foram claros e documentados. Em relatórios de 2021, o TCU recomendou cautela com investimentos em instituições como o Master, citando "indícios de fraudes em operações de crédito". O MPF, por sua vez, investigava a Caixa Econômica Federal por aplicações semelhantes em papéis do banco, resultando em ações judiciais. Apesar disso, Lemos prosseguiu, possivelmente atraído pelos rendimentos de até 12% ao ano, acima da taxa Selic na época. Especialistas em direito previdenciário consultados por este artigo afirmam que tais decisões podem configurar improbidade administrativa, sujeitando os responsáveis a processos no Tribunal de Contas do Estado (TCE-AP) e na Justiça Federal.
Respostas Oficiais e Implicações para o Setor Previdenciário
Procurada pela imprensa, a Amprev emitiu uma nota oficial afirmando que "todas as aplicações realizadas observaram rigorosamente as normas do sistema financeiro nacional e seguiram a política de investimentos do regime próprio de previdência social". O fundo nega qualquer irregularidade e promete acionar judicialmente o Banco Central e os liquidadores para recuperação dos valores. No entanto, sem o FGC, as chances de ressarcimento integral são remotas, e os aposentados já relatam ansiedade em fóruns e redes sociais.
Davi Alcolumbre, em resposta à repercussão, declarou por meio de assessoria: "Não possui qualquer participação, influência ou atribuição em nomeações, decisões administrativas ou escolhas de investimento da Amapá Previdência". A nota enfatiza a autonomia do fundo, mas não aborda a indicação inicial de Lemos nem o cargo de seu irmão. Políticos de oposição no Amapá, como o deputado federal Acácio Favacho (MDB), cobram uma CPI na Assembleia Legislativa para investigar o caso, alegando "desvio de conduta em prejuízo da população idosa e vulnerável".
O caso da Amprev ilustra problemas sistêmicos no gerenciamento de fundos de pensão estaduais. Segundo dados da Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar), mais de 20% dos regimes próprios de previdência social enfrentam déficits atuariais, agravados por investimentos mal geridos. No Amapá, o fundo já havia sido alvo de auditorias em 2020 por falta de transparência, o que torna esse episódio ainda mais alarmante.
Conclusão: Lições para a Governança Pública e o Futuro dos Aposentados
O escândalo envolvendo a Amprev e o Banco Master serve como um alerta urgente para a necessidade de reformas na governança de fundos de pensão públicos. A exposição de R$ 100 milhões a riscos desnecessários, ignorando alertas de órgãos de controle e influenciada por laços políticos, não só ameaça o patrimônio de aposentados e servidores do Amapá, mas também erode a confiança no sistema previdenciário. Com a liquidação do banco em curso, espera-se que investigações do MPF e TCU avancem rapidamente, responsabilizando os envolvidos e buscando mecanismos de recuperação, como leilões de ativos do Master.
Para evitar repetições, é imperativo que estados adotem políticas mais rigorosas de investimento, priorizando transparência, diversificação segura e auditorias independentes. No Amapá, os afetados – muitos deles com rendas modestas – merecem não apenas indenizações, mas uma reforma que proteja seu futuro. Casos como esse reforçam a importância da vigilância cidadã e do jornalismo investigativo em um país onde a corrupção e o clientelismo ainda minam instituições essenciais. O desfecho dessa história definirá se lições serão aprendidas ou se mais prejuízos virão.





