
O jovem morto após invadir jaula de leoa em João Pessoa: 'A última etapa de uma tragédia anunciada'
Em um domingo fatídico de 30 de novembro, a tranquilidade do Parque Arruda Câmara, popularmente conhecido como Bica, em João Pessoa, foi interrompida...
Em um domingo fatídico de 30 de novembro, a tranquilidade do Parque Arruda Câmara, popularmente conhecido como Bica, em João Pessoa, foi interrompida por um incidente trágico que chocou a população paraibana. Gerson de Melo Machado, um jovem de 19 anos, perdeu a vida ao ser atacado por uma leoa após invadir o recinto do animal. O caso, capturado em vídeos amadores por visitantes, não foi apenas um ato impulsivo, mas o desfecho de uma série de falhas sistêmicas que marcaram a vida de Gerson. Testemunhas e profissionais que o acompanharam há anos veem nisso uma "tragédia anunciada", resultado de negligência social e institucional.

O Incidente no Parque: Um Ato Desesperado Capturado em Vídeo
Vídeos circulando nas redes sociais e enviados à imprensa retratam os momentos finais de Gerson com uma clareza angustiante. O jovem é visto escalando uma estrutura lateral do recinto da leoa, utilizando uma árvore próxima como apoio para superar grades e barreiras de segurança. Inicialmente afastada, a leoa se aproxima curiosa enquanto Gerson desce da árvore e entra no espaço confinado. Há uma pausa tensa entre os dois, mas o rapaz prossegue em direção ao animal, culminando em um ataque feroz que resultou em ferimentos fatais.
O Parque Arruda Câmara, um zoológico municipal inaugurado em 1954, é um ponto turístico popular na capital da Paraíba, abrigando diversas espécies de animais em recintos projetados para garantir a segurança de visitantes. No entanto, o incidente expôs vulnerabilidades nas barreiras de proteção, levantando debates sobre a manutenção das instalações. Equipes de resgate chegaram rapidamente, mas Gerson não resistiu aos ferimentos e foi declarado morto no local. Autoridades locais confirmaram que o zoológico foi temporariamente fechado para investigações, com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sendo acionado para avaliar o bem-estar animal.
O Histórico de Gerson: Uma Vida Marcada por Abandono e Transtornos
Gerson de Melo Machado não era um estranho ao sistema de proteção social de João Pessoa. Sepultado na tarde de 1º de dezembro no Cemitério do Cristo, seu funeral reuniu familiares, amigos e profissionais que o acompanharam ao longo dos anos, incluindo a conselheira tutelar Verônica Oliveira. Ela conheceu Gerson há nove anos, quando ele já exibia sinais de vulnerabilidade extrema, e o descreve como um "menino abandonado, adoecido e negligenciado pelo sistema".
Órfão e sem laços familiares estáveis, Gerson transitou por todas as casas de acolhimento institucional da cidade. Transtornos mentais não diagnosticados adequadamente agravaram sua situação, com relatos de comportamentos impulsivos que incluíam confrontos com autoridades e atos de risco. Verônica Oliveira enfatiza que, apesar das tentativas persistentes de obter um laudo psiquiátrico adequado, profissionais do Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira classificavam seus problemas como meramente "comportamentais", sem enquadrá-los como questões de saúde mental que demandassem tratamento especializado.

Falhas Coletivas: A Negligência do Estado e da Sociedade
Para Verônica Oliveira, a morte de Gerson representa uma "falha coletiva" do Estado, da sociedade e da rede de proteção à infância e adolescência. "Ele era muito mais do que o vídeo do parque. Problemas comportamentais todos nós temos, mas nem por isso entramos numa jaula de leão ou jogamos paralelepípedos em carros de polícia", afirma a conselheira. Ela enviou à reportagem documentos que comprovam anos de apelos por internação e tratamento, ignorados pelas autoridades até o dia fatídico, quando uma decisão judicial para internação finalmente saiu – irremediavelmente tarde.
A rede de proteção, regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), falhou em prover o mínimo: família acolhedora, diagnóstico preciso e intervenções terapêuticas. Especialistas em saúde mental consultados pós-incidente apontam que jovens em situação de rua ou acolhimento institucional enfrentam riscos elevados de transtornos não tratados, o que pode levar a comportamentos autodestrutivos. Em João Pessoa, como em muitas capitais brasileiras, a superlotação de serviços públicos e a burocracia judicial agravam esses cenários, transformando vulnerabilidades em tragédias evitáveis.

Em conclusão, a morte de Gerson de Melo Machado não é isolada, mas um alerta urgente para as deficiências na proteção de jovens vulneráveis no Brasil. Enquanto a sociedade lamenta o ocorrido, urge uma revisão profunda das políticas de acolhimento e saúde mental, garantindo que casos como o dele não se repitam. A "última etapa de uma tragédia anunciada" deve catalisar mudanças, honrando a memória de um jovem que merecia mais do que o abandono.





